quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CHORA GRAVATÁ A MORTE DO DR. BRENNO AUGUSTO BORMAN

Lembranças de um médico dedicado, dos de antigamente: faleceu este 13 de Janeiro de 2011 em Recife o Dr. Brenno Augusto Borman.

 Morreu em Recife, porém quem chora é Gravatá e Chã Grande, as cidades onde trabalhou com total dedicação ao povo; as cidades onde criou seus filhos e onde escolheu para viver seu apostolado médico.
Breninho lhe chamávamos.
-Breninho, o nenê está com febre!
-Já estou aí, fique tranqüila.
-Breninho, são duas horas da madrugada e chove aqui no sítio, desculpe porém a vovó está passando mal.
-Já estou aí, me aguarde.
-Breninho, o menino caiu da mangueira, aqui no Bairro Novo, não tem ambulância, o que é  que a gente faz?
-Tô chegando, não mexam no menino. Qualquer coisa eu lhe trago no meu carro.
Incansável, este médico jovem que morreu com cinqüenta e poucos anos, percorreu Gravatá e Chã Grande de cima a baixo, o Ebenezer, o Brejo e onde fosse chamado fazendo da sua medicina uma entrega. Pediatra, atendia o bebê, a mãe, o avô,o visinho e quem batesse na sua porta ou ligasse por telefone a qualquer dia e hora, pedindo sua ajuda. Apoiado  pela sua mulher, assistente social e pedagoga, Dona Rosário, com a qual compartilhava uma preocupação constante com as causas sociais, eles visitavam juntos pacientes nos sítios, nas plantações, nas hortas, meninos da creche da qual ela tomava conta e onde tivesse qualquer necessitado de atenção médica. Sempre  eles estavam ali.
Para o Dr. Brenno não existia feriado de São João ou Semana Santa ou fim de semana. Todo dia era dia de vê-lo. Tinha vergonha de cobrar a consulta, e a maioria do povo pobre, a qual não cobrava, lhe dava dez reais, uma galinha,alface do quintal, um côco do coqueirinho do pátio, uma abóbora...  coisas que ele aceitava com amor, para que seu paciente não se sentisse constrangido.
Sabia de tudo e de todas as doenças crônicas do Nordeste, das agudas, e também das doenças da pobreza e da fome. Conhecia os novos medicamentos caros, os últimos tratamentos científicos, mas conhecia também a ação curativa  dos chás naturais, dos medicamentos de manipulação bem mais baratos, e preenchia as suas receitas de acordo com as possibilidades do paciente. Tinha também uma pequena farmacinha feita com as amostras grátis que os visitadores médicos deixavam com ele, e que repartia com os pacientes um a um. Aos que conseguíam adquirir medicação mais cara sempre pedia que se não a utilizássemos, lhe juntássemos as caixinhas que com 3 daqui, 5 dali, às vezes conseguia uma dose completa pra quem não podia comprar.
Em Chã Grande foi médico do Hospital Municipal durante muitos anos; exemplo de médico foi enormemente respeitado e querido pelo povo e pelo pessoal que trabalhava neste centro publico.  Encaminhava seus pacientes a Recife quando percebia que não tinha jeito para um bom atendimento no pequeno hospital.Quem se consultava uma vez com ele,  consultava-se sempre. Em seu velho carrinho sem enriquecer nunca em dinheiro, não sendo jamais um médico comerciante, desses que tanto vemos hoje, percorria caminhos de barro, atolava, empurrava e chegava lá naquele sítio esquecido da mão de Deus, levando sua mão de médico, sua palavra carinhosa, seu conhecimento traduzido em termos simples para que o doente conseguisse entender.
-Bendito seja Doutor! Lhe chamei porque o vovô está com pressão alta.
-Calma, calma, vou botar este comprimidinho milagroso embaixo da língua e eu aguardo até que melhore.
Ficava ali, compartilhava  a sopa e o pão familiar. Mas amigo que médico.
Faz alguns anos, decidiu fazer uma pós graduação em Geriatria só para poder atender melhor aos idosos, pais, avôs, de seus pequenos pacientes. Médico completo: Pediatra e Geriatra.
Seus amigos mais velhos, rindo,lhe diziam.
-Breninho, agora tu vais cuidar de nós quando fiquemos “ gagás” !
-Brenno Augusto, vê esse negócio de morte assistida, que eu, velho e doente não quero que me deixes sofrer!
E ele ria com aquele sorriso maroto, cheio de bom humor, parecendo um Papai Noel de barba e cabelos brancos como disse minha neta.
-Voinha,o Dr. Brenno é Papai Noel? Porque? Perguntei. – Porque tem barba e é muito engraçado, me faz cócegas na barriga!
Era assim um Papai Noel médico e amoroso para muita, muita gente; para os que adoeciam por falta de comida, para as pneumonias infantis provocadas pela desnutrição e o frio, para os que tinham a barriguinha cheia de vermes, para os desesperados, febris e desenganados.
Em um tempo próximo passado, foi chamado para assumir o cargo de Diretor do Hospital de Gravatá. Se encheu de coragem, arrumou horários, solicitou mais médicos, fez pedidos de medicamentos e chamou à ordem aos plantonistas que vinham de Recife a dormir, e para as festas de fim de semana, e não se apresentavam a trabalhar, recebendo por uma função não cumprida. Pouco a pouco o serviço hospitalar para o povo melhorou muito. Porém as pessoas exigidas começaram a não gostar. E tem gente influente, filhinho de político que não gosta de cumprir horário. O dinheiro da saúde não aparecia, o material cirúrgico era insuficiente, o hospital não tinha lençóis nem gazes para curativos. Assim a autoridade constituída falhou e Gravatá perdeu um grande Diretor, que honesto não queria levar o que pertencia ao povo.
Continuou trabalhando em postos de saúde, particular muito pouco, em policlínicas e até em locais muito longe, como num posto depois de Garanhuns. Sempre sem esperar nada e recebendo o mínimo comprou uma casa e um carro melhor, com os que continuou até cair enfermo. Casa e carro foram as suas grandes propriedades.
Um CA invasivo lhe encheu o peito, o mediastino, o pulmão, a garganta e a coluna vertebral, com uma violência inaudita. Definhou calado, sofrendo muito. Sem sentido para todos nós que lhe amávamos;  -Porque um homem de tanta qualidade humana tinha que passar por esse calvário?
Rezou Gravatá em peso por ele, rezaram nas quintas, no canavial, no brejo, no Bairro Novo, na favela, nos casebres de barro, alinhados ao longo de caminhos perdidos. Rezaram nas grandes casas, nos prédios, nas Igrejas, as autoridades, os que trabalharam com ele, os pacientes e os amigos.
Foi-se ninado em preces, em agradecimentos, em lembranças ternas de sua figura pequena de maletinha na mão, de sua palavra mansa, do seu sentido de humor, de sua luta para que este ou aquele deixara o álcool e visitasse o A.A, de suas estórias engraçadas de quando foi residente estagiário no Hospital da Restauração, jovem e sem experiência, que nos relatava rindo.
Se foi este amigo maravilhoso, este homem grande em valores. Se foi e só ficamos agora com sua lembrança.
Chora Gravatá, chora com vontade, porque o que se perdeu não volta. Há de ser muito difícil para este povo sofrido encontrar outro Brenno Augusto Borman a quem chamar à noite, na distância e sem dinheiro.
Quem deve estar feliz é Deus. Brenno está certamente ao seu lado, com sua alma límpida e livre de pecado. Pensemos nele com amor e reconhecimento que o tem bem merecido.
Orgulhosos de sermos seus amigos, Breninho,esta é nossa homenagem.
Acadêmicos da ALAOMPE: Dea Cirse Garcia Coirolo A. e Anchieta Antunes.
Gravatá,15 de Janeiro de 2011 .-PE

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