terça-feira, 21 de junho de 2011

A FEIRA E A GALINHA

A    F E I R A     E    A    G A L I N H A                            
Sempre gostei das feiras publicas. Essas onde tudo se misturam, onde a miscelânea de cores, odores, costumes, cultura do povo mesmo, se preparam juntas no imenso caldeirão do “Pátio da Feira”. Acredito que indo até uma feira, chegando aos postos de venda, conversando com os feirantes, comprando os produtos da terra onde se instala, é possível conhecer de uma forma mais abrangente, mais elucidativa, o caráter intrínseco de cada povo e de cada local.
Recém chegada em Gravatá, quis no primeiro sábado de feira que me apareceu, mergulhar nas maravilhas do agreste, nos costumes de suas gentes, ver de perto os personagens pitorescos do lugar com toda sua originalidade, empolgada com a graça de todas as novidades que sabia por vir. Queria tocar nos produtos desconhecidos, frutas e legumes, sentir seus cheiros exóticos e ver suas cores deslumbrantes.
Lá fui eu, com minha câmera fotográfica antiga, uma Cannon manual, daquelas que levavam um rolo de filme virgem e em que a gente focalizava olhando através de uma pequena lente com um olho só. Aquela em que a mão do fotografo não podia tremer, sob o risco de perder a foto, e, sobretudo, aquela em que não tínhamos a imagem instantânea, a que se ajustava ao ritual de comprovar se a bateria tinha carga e que depois já no final, se reduzia a uma visita à loja de revelação Kodak (as primeiras do século XX), com seu logotipo amarelo e verde, bem brasileiro!
Voltando à estória da feira, dizer como fica deslumbrada uma estrangeira, de “habla hispana” com a beleza daquele conjunto heterogêneo abundante em formas, perfumes, e vozes de anunciantes, é quase impossível.
 _Veja o preço! Veja o preço! Aqui na banca da Nega... baratinhooo, só por hoje! O freguês não sai daqui sem a quebra, a cortesia!
Estimulada pelo som da voz da Nega, hoje minha fornecedora, chamando-me acintosamente, me detive ali e comecei de vez minha aprendizagem nordestina.
 _O que é isto aqui? (para mim pareciam tomates, com uma leve diferença no aspecto).
 _Caqui! A Sra. não conhece? Veja, prove, vai gostar!
Cheirei, limpei com a mão a pele lisa, brilhante e alaranjada e mordi: beleza! Isto sim que é gostoso!
 _Pague nove e dou uma a mais de graça. Leva  dez!
A quebra... Sem saber como, eu já tinha dez caquis na sacola. Perguntei: _posso tirar uma foto da Sra. e da banca?
 _Pooode! E Nega fez pose na frente da graviola (que eu nunca tinha visto), em frente ao belíssimo caju, de onde pendia uma castanha escura que eu sempre saboreara salgada, torrada, e em lata! Fotografei aqui e ali e já não conseguia carregar as compras, que pesavam vários quilos (cada foto uma aquisição). E é aí a salvação da compradora (salvação pra mim nunca vista dantes, porém de quem hoje sou absoluta freguesa).
 _Hei, madame, carro de mão pra senhora; _Carro de mão? Não quero! _Mas madame, não é pra venda não, é pra carregar a feira da senhora até seu carro, ou sua casa!
Bela idéia, prática. Assim eu quero. _Quanto é?
 _O que a senhora me der, só quero trabalhar!
 _Como se chama menino?
 _Tinoco.
Desde este dia Tinoco é meu carregador preferido.
Em frente da banca da Nega, a banca dos temperos! Que maravilha ver a pimenta, o cominho, o alho, o coentro, o orégano, alguns ainda em semente para serem moídos na hora, no moinho a manivela. Estes sim que são cheiros! Fui recorrendo aquela exposição da diversidade biológica e cultural do agreste: bancas de bolos, tapioca, queijos brancos e amarelos assados na brasa, barracas de carne de boi fresca e salgada, charque de bode, galinhas de granja abatidas na hora, saquinhos de sangue de ave para fazer cabidela! _Compre dona! Veja como é bom!
Impossível contar cada detalhe desta primeira feira que fez meu dia inesquecível. Para terminar direi a ultima anedota. Estava eu cliq!cliq!... com a minha velha câmara, quando vejo vir um homem sertanejo da gema: de sandália e chapeuzinho redondo de couro, com um pacote de jornal embaixo do braço. Deteve-se a uns três metros de mim e falou:_graças a Deus! Que é que eu fiz pra merecer? Tá tirando foto? É de graça?
Divertida com a figura engraçada e a expressão deslumbrada do matuto, eu respondi:_É!!
 _Então vou fazer a pose pra você tirar a foto de meu bichinho...
Eu olhava e não via bicho algum, ao que ele abriu o cone de jornal, apenas na ponta, e aí para meu assombro e risada incontrolável, vi saindo uma cabeça de crista vermelha, esperta, olhando para os lados com curiosidade, esticando o pescoço e com um imenso bico na frente totalmente aberto. O que vi foi uma galinha morrendo de sede. Galinha em pacote cônico de jornal! O sertanejo tinha acabado de comprá-la, e me disse:_Fotografe com gosto, dona. Comprei-a para matriz do galinheiro. Pode me mandar uma foto depois, de lembrança?
 _Poosso!!! Dito isto, tirei as fotos e intercambiamos os endereços. Uma semana após, já revelado o filme, as enviei pelo Correio para Sairé.
Passados dois anos, uma bela manhã alguém bateu na minha porta, no bairro do Ebenezer. Qual não foi minha surpresa ao encontrar seu Silva (assim se chamava o homem da galinha) com duas galinhas de presente para mim.
 _Veja, não me esqueci da senhora. As fotos estão numa parede de minha sala. Uma por cada foto que mandou: a Olga (nome da galinha) já deu muitos filhos e hoje é famosa, uma excelente matriz! Acho que foi a patroa que me deu sorte. Aceite! É de gosto!
Aceitei com lagrimas nos olhos, lembrando da bela feira e da galinha ensacada no jornal e reconheci no gesto, o que é comum entre os sertanejos autênticos: o agradecimento que sentem pelo recebido e o gosto de dar alguma coisa em troca. Moro em Gravatá faz 14 anos e aqui ficarei para partilhar da vida simples e encantada desta terra do cordel, da amizade, das casinhas de telhados vermelhos e dos compradores e vendedores de galinhas. Eu já tenho a minha na memória, a Olga e suas duas filhas já digeridas... Uma ao molho de cabidela no São João e a outra guisada em um 15 de novembro.
Viva a feira, as galinhas e Gravatá!
Dea Garcia Coirolo – Acadêmica da ALAOMPE.
Nota do editor: Dea mora em Gravatá desde 1997. Escreve, pinta, e pertence à Academia de Letras, Artes e Ofícios Municipais de Pernambuco, situada na cidade de Bezerros.                                                                                                                                                                                                                                                         

A feira e a galinha